Tenho um lado espiritual marcante,
coisa de quem estudou 14 anos em um colégio chamado “Paraíso”...Com todos os
valores provenientes do termo agregados aos alunos ditos bonzinhos (bendigo o
meu irmão que aos cinco anos de idade já tinha sido “expulso do Paraíso”). Foi
neste colégio que assimilei a noção de culpa que impregnou o meu ser por
dezesseis anos, aprendi a ser mesquinha, preconceituosa, e o principal: aprendi
a ver Deus como um juiz intolerante que nos controla como fantoches para sua
diversão particular. Felizmente estes valores obtusos foram diluídos pelas
minhas experiências de vida...No entanto, continuo a enfrentar graves crises
existenciais em decorrência da relação conflituosa que estabeleço com o meu
Deus, não sou uma crente passiva...As vezes “fico indignada” com o ser supremo e não
tenho medo de dizer isto a ele, insatisfação não é descrença...
Depois
de ver “pessoas queimando pessoas” com a naturalidade de quem frita um ovo
comecei a reivindicar um novo “dilúvio” porque de repente senti que não havia
mais solução, as noções de “humanidade” se diluíam com uma força devastadora e
só uma destruição total e irreversível poderia transformar o mundo num lugar
melhor..
Certo domingo - “o dia em que a terra parou” - estava eu assistindo ao
meu programa preferido: “Globo Rural” (meus amigos dizem que sou estranha, já
que não tenho nenhuma vaca leiteira no quintal, e nenhum agronegócio). Bem,
falava-se no Projeto Guri, que atende às crianças de alguns assentamentos
rurais, a meninada aprende a cantar e tocar instrumentos musicais. Um garoto
disse que quando tiver uma casa de verdade, seu pedaço de chão (“um sítio”) vai
se chamar “esperança”. Esta foi a gota d’água, aquela que faltava para
extravasar o copo!
Um dia, durante conversa com uma enfermeira do tão
famoso Programa Saúde da Família (PSF) sobre os problemas do SUS, ela disse
a seguinte frase: “Os profissionais do posto ficam todos falando mal do SUS
mas...O SUS somos nós!”. Enquanto ela segue a missão de enfermeira que é
“cuidar” recebe críticas porque os outros profissionais dizem: “se fulano não
faz, eu também não vou fazer”. Ela não recebe extras por cumprir
seu papel de forma devida, e até acumula funções para que tudo funcione
corretamente. Pois é, já pensou se nos
espelhássemos naqueles que fazem a diferença? Em lugar disso eu andava por aí
com meu expressivo egoísmo a exigir um dilúvio...Acho que a enfermeira
me emprestou credulidade e o olhar da criança me devolveu a esperança! E onde
ficam as lichias? No próximo parágrafo.
Há algum tempo li uma crônica do Artur da Távola, na qual ele dizia que estava velho e por isso não perdia uma oportunidade de chupar manga, o cronista adquiriu com os anos vividos a percepção de que cada segundo de existência é único e nunca sabemos quando experimentaremos a última manga. Ontem provei esta frutinha engraçada chamada lichia...Já ouviu falar? O dicionário diz que lichia é “gênero de árvores da família das sapindáceas, com folhas pinuladas e flores branco-esverdeadas, dispostas em panículas terminais; ocorre nas regiões quentes da Ásia”. Nunca tinha visto um negócio desses mas eu recomendo, é uma delícia...Parece uma pitomba, sendo maior e mais adocicada. Peço desculpas porque esta história de lichias está totalmente fora de contexto, mas eu precisava imortalizar as frutinhas que tanta aprendizagem me cederam. Em tão tenra idade já conheço a preciosidade de cada ínfimo instante...Nunca vou perder uma oportunidade de comer lichia!